No dia 03 de fevereiro de 2025 foi publicado pelo comando da Força Aérea, através do boletim do comando da Aeronáutica, a solução para implementação de padrões para os próximos concursos de admissão. Em um detalhe que quase passou despercebido, o boletim define que o termo candidato, para os candidatos ao curso de formação de oficiais de infantaria, refere-se a ambos os sexos. No artigo que define as condições para a inscrição também não há indicação de que o candidato deva ser do sexo masculino.
Tudo indica que, caso não haja mudanças até a publicação do próximo edital, haverá o primeiro curso de formação de oficiais de infantaria com mulheres no Brasil.
A questão é mais complexa do que parece, e trataremos de apenas alguns de seus detalhes.
Lesões
Alguns estudos realizados fora do Brasil demonstram que a quantidade de lesões e baixa por saúde é maior no público feminino do que no masculino. Em um estudo publicado no jornal Military Medicine em 14 de Março de 2018, "Overuse Injuries Among Female Combat Warriors in the Israeli Defense Forces: A Cross-sectional Study", os pesquisadores chegaram a conclusão de que a quantidade de lesões no efetivo feminino das forças de defesa de Israel é alto e pode ser considerado um problema de saúde pública militar.
A quantidade de tempo baixadas em treinamento era em média 11 dias, contra 08 dos homens.
A porcentagem de mulheres com fratura por stress (tipo de fratura que ocorre devido a repetidos impactos ou forças sobre um osso, geralmente de baixa intensidade, mas que se acumulam ao longo do tempo) foi de 11.2% contra 2,5% dos homens.
Outro estudo entitulado "Evaluation of the performance of females as light infantry soldiers", publicado em 18 de Agosto de 2014 abordou recrutas especificamente de uma brigada de infantaria leve, e observou que 21% das mulheres sofreu fratura por stress contra 2,3% dos homens. A conclusão do estudo foi a de que "O baixo padrão físico e alta incidência de lesões pode impedir seu serviço como soldados de infantaria regular".
A maioria das lesões ocorreram nos membros inferiores.
Além disso, tradicionalmente os teste de aptidão física para o público feminino possuem um padrão mínimo muito inferior ao masculino - o que implica logicamente que o desempenho cobrado dos homens não é essencial para a função que assumem.
Existe ainda a possibilidade real de que o oficial de infantaria comandante de tropa seja, nesse caso, um dos elementos com pior desempenho físico objetivo do pelotão ou companhia que comande.
Ucrânia
Uma matéria do jornal inglês The Guardian de 04 de Agosto de 2023 entrevistou mulheres que estão desempenhando funções de combate nas forças armadas da Ucrânia, sem especificar em qual tipo de batalhão estariam servindo.
Uma mulher se queixa de ter que combater estereótipos e estigmas por ser mulher:
“I would say we have to fight two enemies at once,” she said. “One being Russia, obviously. And the other one is the stereotypes and the stigma that you face every single day. And the only place that I can say I did not see that stigma was the actual ground zero [on the frontline] because everyone was so freaking busy fighting for their country.”
"Eu diria que temos que lutar contra dois inimigos ao mesmo tempo", disse ela. "Um deles é a Rússia, obviamente. E o outro são os estereótipos e o estigma que você enfrenta todos os dias. E o único lugar onde eu posso dizer que não vi esse estigma foi no próprio epicentro [na linha de frente], porque todos estavam muito ocupados lutando pelo seu país."
Outras se queixam que não há coletes femininos, e os coturnos fornecidos pela cadeia de suprimento não possuem o tamanho de seus pés.
Sobres saúde, o jornal complementa:
"The list of shortcomings goes on: there is no contraception at the frontline nor the provision of female urinary diversion devices that allows women in trenches to stand up when relieving themselves so as to avoid infections.
Doctors in the field are not trained in gynaecology, and when a female soldier’s contract comes to an end they must undergo a medical examination to be re-enlisted in what many suspect is an attempt to ensure they are not pregnant and chasing paid leave."
"A lista de deficiências continua: não há contraceptivos na linha de frente nem a provisão de dispositivos de desvio urinário para mulheres que permitem que elas fiquem de pé ao se aliviarem nas trincheiras, evitando assim infecções.
Médicos no campo não são treinados em ginecologia, e quando o contrato de uma soldado termina, elas devem passar por um exame médico para serem reincorporadas, o que muitos suspeitam ser uma tentativa de garantir que elas não estejam grávidas e buscando licença remunerada."
O caso específico da Ucrânia demonstra os desafios logísticos e culturais enfrentados para o recrutamento feminino em posições de combate. Obviamente os desafios em situação de guerra são amplificados na medida em que mais é exigido do soldado.
Outras considerações
Além das características objetivas, existe um universo de atributos e comportamentos não mensuráveis que compõem o que seria um padrão desejável ao oficial combatente. É necessário discutir se a admissão em questão seria ou não razoável ou então se as exigências devem ser iguais independente do sexo, pois a formação de oficiais que eventualmente não possuam capacidades ou atributos necessários pode resultar em risco para a tropa, e em larga escala, para a soberania nacional.